Em 2019, oito textos de autores franceses contemporâneos foram traduzidos por diretores-autores brasileiros. A ação foi parte da segunda edição do Projeto de Internacionalização da Dramaturgia, dessa vez focada na Nova Dramaturgia Francesa e Brasileira.

Mais uma vez o Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil cumpriu o importante papel de embaixador da cultura brasileira e selecionou artistas para encenar as obras na programação de alguns festivais.

Com parceria da La Comédie de Saint-Étienne, Instituto Francês e Embaixada da França no Brasil, o projeto incluía uma segunda etapa, interrompida pela pandemia em 2020, onde autores brasileiros teriam também seus trabalhos traduzidos e publicados na França e encenados no Théâtre National de La Colline, em Paris, no Festival Actoral, em Marselha, e na Comédie de Saint-Étienne.

Os textos brasileiros são: “Amores Surdos”, de Grace Passô; “Jacy”, de Henrique Fontes, Pablo Capistrano e Iracema Macedo; “Caranguejo Overdrive”, de Pedro Kosovski; “Mateus 10”, de Alexandre Dal Farra; “Ovo”, de Renato Forin; “Adaptação”, de Gabriel F.; “Ramal 340”, de Jezebel de Carli; e as peças “Maré” e “Vida”, de Márcio Abreu.

Muitas dessas obras foram publicadas pela Editora Cobogó, que também lançou os textos dessa edição do projeto em sua colação Dramaturgia Francesa:

Eu carreguei meu pai sobre meus ombros, de Fabrice Melquiot
Tradutor: Alexandre Dal Farra

Livremente inspirada em vários cantos da Eneida, de Virgílio, Eu carreguei meu pai sobre meus ombros narra, à maneira de uma epopeia, a trajetória de Roch, um homem pobre que acaba de descobrir que está com câncer e a quem só resta um mês de vida. Estamos em novembro de 2015, na madrugada dos atentados ao Bataclan, em um bairro da periferia de Saint-Étienne, em Paris. É quando Roch dá a notícia a seu filho, Énée, a sua namorada, Anissa, e a seu amigo de toda a vida, Grinch, dizendo ainda que gostaria de viajar, a fim de morrer em uma região distante, ou por ele desconhecida, negando-se a começar um inútil e sofrido tratamento por quimioterapia. A fábula, ao mesmo tempo cômica e desesperada, traça de maneira comovente a jornada de um quase moribundo rumo a um lugar imaginário. Mais que da morte em si, a peça, traduzida por Alexandre Dal Farra, fala de amizade e humanidade ou, ainda, segundo as palavras do autor, “de aceitação da vida, plena desta energia inerente ao desespero”.

Homens que caem, de Marion Aubert
Tradutor: Renato Forin Jr.

Cédric, Julien e sua equipe decidem montar, em 2016, um espetáculo a partir do romance Nossa Senhora das Flores. No decorrer dos ensaios, a obra-prima do escritor maldito Jean Genet os atinge como uma flecha: em seu isolamento dentro de uma cela de cadeia no início da década de 1940, o autor fala diretamente com os atores que decidiram levar o texto ao palco tantos anos depois. Através de personagens como a travesti Divine e de seus amantes – Mignon, Nossa Senhora das Flores, Alberto –, estabelece-se um intenso jogo ficcional, especular, em que os integrantes de uma companhia de teatro contemporâneo vivem na carne as angústias, os desejos e a marginalização de uma sexualidade que Genet soube, como ninguém, explorar.

Onde e quando nós morremos, de Riad Gahmi
Tradutor: Grupo Carmin

É hora do jantar e o descendente de imigrantes Karim invade o apartamento de um casal de meia-idade em um ótimo bairro parisiense. Ao ser pego em flagrante e tentar escapar sem sucesso, ele se vê refém de Marie, Victor e seu avô, o general, um velho militar que não fala por ter perdido a laringe e que precisa ir ao banheiro com a ajuda do neto, sempre pronto a limpá-lo depois que faz suas necessidades. Rapidamente, Karim se converte em um centro de gravidade sobre o qual são depositados o racismo e a hipocrisia de uma classe média pequeno-burguesa politicamente correta e pronta a colapsar.

É a vida, de Mohamed El Khatib
Tradutor: Gabriel F.

Existe um vazio terminológico para designar aqueles que perdem um filho, os “órfãos ao contrário”. É a vida caminha por esse deserto a procura de uma palavra, de uma esperança, convidando dois atores para testemunhar essa dor indescritível. Uma performance-experiência-limite que se sustenta sobre o fio da delicadeza. Mohamed El Khatib confecciona um pequeno manual para uso dos vivos. Distorcendo o papel do ator – o de fingir para se aproximar do real –, ele escreve uma peça tênue, em equilíbrio entre o pudor e a extrema proximidade com o público, a qual nos leva ao sentido da palavra hebraica shakoul, “a ursa a quem tiraram a ninhada”.

Queimaduras, de Hubert Colas
Tradutora: Jezebel De Carli

A Jovem afirma ter visto um homem levar uma criança até uma esquina, espancá-la, violentá-la e comê-la. A comoção é geral. Crime verdadeiro ou pura imaginação? Não se sabe. Pouco importa a verdade. Mas é necessário que haja um crime a ser pago, assim como um culpado. Só então a comunidade poderá se limpar do horror que ela mesma provocou. Com uma linguagem carnal e lírica, Queimaduras fala do quão gratuita é a violência no mundo contemporâneo e aponta, de forma aguda, algo que preferimos não enxergar: a civilização é irmã da barbárie.

Fiz bem?, de Pauline Sales
Tradutor: Pedro Kosovski

Valentine, 40 anos, professora de literatura, está em crise. Ela se questiona a respeito de seu papel como mulher, mãe, professora e cidadã, assim como sobre sua geração e o momento atual. Durante uma excursão com seus alunos do 9º ano a Paris, Valentine decide abandoná-los à própria sorte.

Punhos, de Pauline Peyrade
Tradutora: Grace Passô

Punhos é uma história de amor tóxica dividida em cinco movimentos: Oeste, Norte, Sul, Pontos, Leste. Do primeiro encontro até a ruptura com ELE – um homem mais ou menos imaginado, mais ou menos próximo, mais ou menos perigoso –, vemos uma mulher desorientada, em estado de choque, que procura encontrar um sentido para o que viveu. O texto nos conduz ao coração da memória traumática, tratando a violência de gênero de maneira ao mesmo tempo corajosa e insólita.

Pulverizados, de Alexandra Badea
Tradutor: Márcio Abreu

Quatro profissões, quatro cidades: Xangai, Dacar, Lyon, Bucareste. Nelas conhecemos uma operária chinesa e sua rotina de humilhação cotidiana em uma fábrica; acompanhamos um supervisor de telemarketing apoiar-se sobre a crença em seu ambiente corporativo e a fé neopentecostal; notamos como o responsável pelo controle de qualidade de uma empresa vê sua relação familiar se deteriorar sob a pressão do trabalho e do sexo virtual; assistimos a uma engenheira de estudos sofrer por sua dificuldade de se integrar e subir na hierarquia. O cotidiano desses indivíduos é rude, cortante, às vezes cruel e vergonhoso. Todos são vítimas de uma corrida desenfreada pelo lucro provocada pela louca circulação do capital. Todos estão sujeitos à rentabilidade, à flexibilidade e à precariedade que move a gigantesca roda da economia no mundo globalizado.

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