Esther Gerritsen (1972) é uma romancista, colunista e roteirista holandesa. Ela cresceu em Gendt e estudou Dramaturgia e Educação Literária na Escola de Artes de Utrecht. Estreou nos palcos em 1999 com “Housewife”, seu primeiro monólogo. A partir dos anos 2000 começa a se aventurar na escrita em prosa e se transforma numa autora de livros de sucesso, com obras de ficção e antologias traduzidos para vários países.

Em 2011 foi apontada pela revista Hollands Diep como uma das autoras mais promissoras com menos de 40 anos. Quatro de seus romances, incluindo Craving (2012) e Roxy (2014), foram selecionados para o prestigioso Prêmio Libris de Literatura. Esther é também roteirista de filmes para o cinema e TV. Um de seus filmes, “Instinct“, foi a escolha holandesa para concorrer ao Oscar de 2019 e conquistou ótimas críticas em festivais internacional de cinema.

Com “Alles” (Planeta Tudo), uma peça de 2002 com a qual Gerritsen participa da terceira edição do Projeto de Internacionalização de Dramaturgias, ela apresenta uma perspectiva diferente sobre a vida ao narrar a história de três extraterrestres que vêm ao planeta Terra e tentam experimentar os vastos e ambíguos sentimentos humanos. A obra ganhou tradução para o português pelas mãos de Ivam Cabral e Rodolfo García Vásquez, e pode ser adquirida na COleção Dramaturgias da Editora Cobogó.

Conheça mais sobre a obra e sua autora conferindo um pouco da sua produção e fragmentos de suas criações reunidas abaixo.

Planeta Tudo - Alles
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Planeta Tudo - Alles

No planeta Tudo tem tudo aquilo que qualquer um poderia desejar – mas somente um item de cada. Quando algo quebra, não existe reposição. Ou melhor, é preciso ir até esse lugar onde há vários exemplares de coisas diferentes: um estranho planeta chamado Terra. Jan, Sylpia e Bavo, três extraterrestres nativos de Tudo, vêm à Terra disfarçados de humanos, em busca de peças sobressalentes. Tentando se comportar da maneira mais terrestre possível – o que não é nada fácil – experimentam os vastos e ambíguos sentimentos humanos. Planeta Tudo é uma comédia absurda, tão leve quanto crítica, que faz rir e pensar a partir dos hábitos e as peculiaridades dos seres humanos.

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Tudo é o nome do nosso planeta...
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Tudo é o nome do nosso planeta...

sylpia:

Nós viemos de Tudo. Tudo é o nome do nosso planeta. Não é uma metáfora. Não estamos falando secretamente sobre “a Terra”, à qual demos um novo nome simbólico para refletir sobre a existência terrena com alegria e um novo olhar. Não, é muito mais fácil: viemos de outro planeta. Eu poderia lhes contar onde está localizado, mas vocês não entenderiam. Nosso planeta é chamado de Tudo. Este nome é apenas um nome. Como a Terra, a Lua ou Marte. Aqui na Terra, Tudo é uma palavra. Uma palavra com um significado. Mas para nós, Tudo não significa nada. Tudo é apenas um som, acima de tudo. Como Lobith, Soest ou Maggi. Em Tudo, o estado perfeito do ser é um pequeno quadrado azul. Todo mundo gostaria de ser um pequeno quadrado azul, mas há apenas um pequeno quadrado azul perfeito, que é Bavo, que aqui chamamos de Bavo. Ninguém mais tenta se tornar um pequeno quadrado azul conosco, porque todos sabem que isso é impossível. Por exemplo, se você é um cachimbo roxo, ou uma superfície da terra, ou um uh … [risada] bem, não importa … então, se você é um cachimbo roxo, não pode se tornar um quadrado azul. Isso é óbvio. Portanto, todos concordamos com isso. Mas, por causa do nosso disfarce humano, devo dizer ridículo, o pensamento humano também se apoderou de nós, e podemos vagamente suspeitar que as pessoas humanas têm opiniões muito diferentes a esse respeito. Um dos nossos grandes talentos é o fato de podermos nos disfarçar de outros seres e quanto mais o fizermos, melhor poderemos pensar como esses seres. As pequenas diferenças de opinião que acabamos de exibir aqui são um exemplo de como já começamos a nos ajustar à mente humana. Desentendimentos não existem em nosso planeta. As opiniões existem, sim, mas todos temos a mesma opinião. Uma ótima e maravilhosa opinião compartilhada sobre o que vocês chamam de “tudo”. Uma maravilhosa opinião perfeita. Uma opinião grande e uniforme — tão perfeita, uniforme, simétrica e luminosa … como um … pequeno quadrado azul. Do qual temos apenas um exemplar. Assim como só temos um exemplar de tudo. Por isso, temos um problema quando alguma coisa quebra. UM problema. Porque não temos peça de reposição para nada. Então temos que ir a um lugar onde existem vários exemplares de coisas diferentes e procurar pela coisa que se quebrou lá entre nós

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talvez eles achem que eu sou um homem
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talvez eles achem que eu sou um homem

pessoa humana:

Eu me assusto quando ouço as vozes. A nova equipe está aqui. Estão esperando por mim. Por uma pessoa que vai dar instruções a eles. Eu não vi ninguém ainda e eles também não me viram. Eles devem ter criado uma ideia sobre mim, do seu novo colega, do seu chefe, talvez eles achem que eu sou um homem. Eles estão me esperando, embora ainda não saibam que sou eu que eles estão esperando. Uma coisa é certa: eles estão esperando por uma pessoa. E essa sou eu. Eu sou o que eles chamam de exemplo perfeito de pessoa. De verdade. Se me pedissem para dar um exemplo do que é uma pessoa, eu indicaria a mim mesma, com certeza. Podem me pedir qualquer característica humana e eu tenho. Mas eles, os estranhos que eu ainda não conheço, vão me conhecer como uma pessoa com um papel, como uma pessoa em seu ambiente de trabalho. Assim, não vou me dirigir a eles em meu nome pessoal, mas em nome da empresa. Gosto de separar o trabalho da vida pessoal, mas não vou aguentar por muito tempo, porque nada que seja humano é estranho para mim. … Oi.

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Isso, meu caro amigo, é um diálogo.
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Isso, meu caro amigo, é um diálogo.

bavo:
… O que você está fazendo?

jan:
… Eu não sei. Aconteceu sem querer.

bavo:
Agora você está fazendo isso de novo.

jan:
O que é isso?

sylpia:
Isso, meu caro amigo, é um diálogo.

bavo:
Um diálogo?

sylpia:
Uma troca de palavras. Ele te dá suas palavras e em troca recebe
outras.

jan:
O que eu queria dizer é… nem todo mundo gosta de quadrados
azuis.

bavo:
O que você tá dizendo?

jan:
Eu prefiro retângulos.

bavo:
[rindo] “Nem todo mundo gosta de quadrados azuis!”

jan:
Mesmo tudo uniformemente azul pode ficar chato.

bavo:
Agora você está realmente fazendo papel de bobo.

jan:
Isso mesmo! É, sim! Todo mundo gosta de quadrados azuis perfeitos! É, eu também! Eu também gostaria de ser um quadrado azul perfeito, LÁ! Mas agora estamos AQUI e ninguém aqui está interessado em quadrados azuis perfeitos!

bavo:
… O que você acabou de fazer com sua voz?

jan:
… Sei lá. Aconteceu.

sylpia:
Essa voz alta aí.

bavo:
E para que serve, a “voz alta”?

sylpia:
Para destacar uma desavença.

bavo:
Desavença?

sylpia:
Você ouviu direitinho, sim. Existem opiniões diferentes aqui.

bavo:
Não é verdade.

sylpia:
É, sim.

bavo:
Não é.

jan:
É, sim.

bavo:
Não é.

jan:
Tá vendo.

sylpia:
Infelizmente. Ele tem razão.

bavo:
Mas isso é uma reação normal, não é?

sylpia:
Não, isso não é uma reação normal, esse é exatamente o cerne da questão. Assim que você se disfarça de ser humano, você também pensa como uma pessoa. O que acabou de acontecer entre vocês foi a famosa desavença. Então, para nós, um pequeno cubo azul é o estado perfeito de ser, aqui é mais uma questão de gosto.

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O que é pensamento radical?
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O que é pensamento radical?

Sarah Timmer Harvey: Durante uma entrevista recente que foi ao ar na televisão holandesa, você mencionou que os personagens de seus livros são muitas vezes pensadores radicais. Em sua opinião, o que é pensamento radical?

Esther Gerritsen: Pensamento radical é levar seus próprios pensamentos muito a sério. Quando você realmente acredita que pode descobrir a verdade apenas pensando, em vez de olhar para as coisas.

Entrevista completa (em inglês), AQUI.

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Bibliografia
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Bibliografia

Livros

  • De Trooster (O Consolador), romance, De Geus, 2018
  • Broer (Irmão), novela, CPNB, 2016
  • Veilig leren lezen (Aprenda a ler com segurança), colunas coletadas, De Geus, 2016
  • Roxy, romance, De Geus, 2014
  • Ik ben vaak heel kort dom (I’m Frequently Briefly Stupid), colunas coletadas, De Geus, 2013
  • Dorst (Desejo), romance, De Geus, 2012
  • Jij hebt iets leuks over je (There is Something Nice About You), colunas coletadas, De Geus, 2011
  • Superduif (Superdove), romance, De Geus, 2010
  • De kleine miezerige god (O pequeno deus insignificante), ficção, De Geus, 2008
  • Normale dagen (Dias normais), ficção, De Geus, 2005
  • Tussen een persoon (Entre uma pessoa), ficção, De Geus, 2002
  • Bevoorrecht bewustzijn (consciência privilegiada), ficção, De Geus, 2002

Roteiros

  • Instinto, filme de Halina Reijn, 2019
  • Dorst (Craving), filme de Saskia Diesing, 2018
  • De Kopvoeter em outros tons, International Theatre & Film Books, 2015
  • Nena, filme de Saskia Diesing, 2014
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