Jonathan Andrade é poeta, ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo, figurinista e bacharel em Artes Cênicas, com habilitação em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília (UnB).

É integrante fundador do Grupo Sutil Ato, coletivo de teatro que pesquisa atuação, dramaturgia autoral e poéticas narrativas, além de promover atividades como palestras, oficinas e espetáculos, no Distrito Federal e Brasil afora, há 14 anos.

Em sua trajetória artística assinou a direção de 26 montagens, recebendo prêmios por suas dramaturgias, cenografias e espetáculos. Atuou como professor da Faculdade Dulcina de Moraes, onde também foi coordenador pedagógico dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Artes Cênicas, entre 2009 e 2013. Desde 2014 integra o Aisthesis, coletivo multilinguagem a partir de encontros de cocriação e experimentação de linguagens.

Jonathan Andrade traduziu o texto Eu não vou fazer Medeia, da autora holandesa Magne van de Berg, dentro da terceira edição do Projeto de Internacionalização de Dramaturgias. Nosso convite é para que você navegue abaixo por um pouco do universo do artista e de sua relação com a obra, conferindo também o resultado da leitura cênica realizada no FIAC Bahia.

Sobre a tradução
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Sobre a tradução

Talvez sejam os mistérios alguns dos regentes mais operantes do teatro. Digo isso porque talvez sejam essas as forças que esboçam os palcos em todos os espaços e tempos, antes mesmo de ser corpo, de nos parirmos corpo. Talvez sejam essas as pulsões — materiais e imateriais — que se agarram às palavras, que se estranham e/ou entranham as afetividades, e a partir daí, talvez, desse movimento vital que cutuca a existência, renasça a possibilidade de reescrituras e ressignificâncias da vida humana. Vida essa imergida e emergida a cada segundo de “ação” em uma cena. Seria possível traduzir essa força do teatro? Teria palavra, endereço ou ossatura? Que licença deveria eu pedir para me aproximar e assim poder traduzir o texto primoroso de Magne van den Berg? Que mistério teria ela acordado para escrever seu texto?

Como eu tão longe, em minhas condições e naturezas, poderia ouvir e sentir e ser e estar seu texto? Como de costume, o estômago do teatro nos digere por inteiro. Sem possibilidade de volta, a ida é uma condição da presença. A tradução me exigiu por inteiro, como o palco, como a cena, como os mistérios. Eu não vou fazer Medeia me lançou a um dos olhos mais bonitos que o teatro — generosamente e cruelmente — nos apreende: as memórias e, nelas, os encontros e nelas os encontros e reencontros irremediáveis.

Morei no Suriname aos 11 anos de idade, e foi lá que tive contato com o holandês. Não imaginaria que anos depois, aos 38 anos, teria a “tarefa” de traduzir uma peça originalmente escrita em holandês. Foi também no Suriname que aprendi inglês, o que me possibilitou essa jornada. O convite para integrar esse projeto chega na mesma semana que resgatei o contato com uma vizinha de lá, amiga de infância, quem inclusive me ensinou a entender o idioma na época. Coincidência ou sincronicidade, eu não sei se traduziria esse acontecimento dessa maneira. Seriam os mistérios da vida, cúmplices do teatro, me brincando aceitar esse desafio?
Eu nunca havia traduzido um texto antes. Não profissionalmente.

Aceito o desafio, em meio a pandemia, começo entontecido e assustado e termino a tradução com uma personagem me fazendo chorar. Muito.

de saudade do teatro
Por sentir o que ela sente
De também ruminar e desaguar
Frase a frase
Frase debaixo de frase
Desabafo a desabafo
Inconformidades
Desencontros
Sentidos
Utopias mentidas
Dúvidas

Não sei.

Difícil achar as palavras na vida, assim também no exercício da tradução. Porque nenhuma palavra é em vão, e nelas talvez habitem aldeias e mais aldeias de sentidos. Sentidos também são almas.

Termino a última página da tradução denunciado pelo texto. Sem esconderijo, máscara ou rota de fuga possível. Eu também estava em um banquinho na minha varanda. Eu também vi o dia se tornar noite, longe do teatro.
Traduzir foi como passar um pincel delicado em um fóssil, para tirar as camadas de areia e terra que estavam sobre ele, para encontrá-lo no que ele é, em seu tempo e espaço. A delicadeza desse varrer é também o entusiasmo de descobrir a sua história, suas memórias, e talvez o mundo dito por ele. Talvez ser memória junto ao fóssil.

O texto original é de uma beleza sem fim, e agradeço imensamente o encontro com ele. A minha intenção de aproximação, escuta e reverência, me fez também dizer: eu não vou fazer
Medeia. E assim como a personagem, eu também não fiz.

Em um período tão violento para o teatro e para a cultura no Brasil, onde o desvalor e a precarização dos aparelhos de cultura estão instituídos, e a solidão dos criadores em uma pandemia nos leva a um oceano de questionamentos, eu, sinceramente, apesar da distância cultural em relação ao texto original, me vi.
Vi muitos de nós brasileiros.

Nessa primeira tradução, eu talvez tenha sido mais corpo e pele que qualquer outra coisa. Fui desabafo e vômito como a personagem. Ruminei tudo.

Agradeço imensamente ao Guilherme Reis pela lembrança e o convite.

Agradeço imensamente a Márcia Dias, pelo convite, confiança e pelo presente na escolha do texto.

Agradeço a Mariângela Guimarães a imensidão e expertise que tanto me ensinou.

Agradeço a toda equipe o nosso encontro nesse projeto tão delicado e necessário.

Essa tradução foi um desafio delicioso. Foi um presente de vida. Na minha alma o teatro esteve em fésta. Acordado e convulsivo. Do jeito que eu o reconheço em mim.

Agradeço a oportunidade de traduzir esse texto tão belo, e colaborar para manter o teatro vivo, circulando no mundo, também pelas palavras tão vivas.

Jonathan Andrade

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eu quero ir para casa
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eu quero ir para casa

eu não vou me apresentar esta noite
e isso não é um desastre
talvez você pense que é um desastre
mas não é um desastre
na verdade não tem importância nenhuma
nenhuma
normalmente eu me apresento
eu simplesmente me apresento
aconteça o que acontecer
eu sempre me apresento
com ou sem voz
quer queira ou quer não
eu me apresento
faça chuva ou faça sol
indisposta ou cansada
eu me apresento
com ou sem público
eu me apresento
mas esta noite eu penso
ou sinto alguma coisa diferente
alguma coisa que é maior
alguma coisa que vê tudo
alguma coisa que relativiza as coisas
e diz
não importa
o que você faça
nada importa
você pode inclusive não se apresentar
você pode inclusive voltar para casa
porque na verdade não faz diferença

trecho do texto “Eu não vou fazer Medeia”, traduzido por Jonathan Andrade

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Eu não vou fazer Medeia – Ik speel geen Medea
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Eu não vou fazer Medeia – Ik speel geen Medea

O espetáculo está prestes a começar. Na coxia, uma atriz se recusa a entrar em cena: não quer mais interpretar Medeia, personagem imortalizada pelo poeta grego Eurípedes. Farta de tudo e sentindo-se deslocada, ela reflete sobre viver no mundo do teatro e a relação conflitante com seu ofício, desfazendo o pacto com o palco e quebrando a expectativa de todos ao seu redor.

A partir de um texto poético e hipnótico, vencedor do Taalunie Toneelschrijfprijs, importante prêmio holandês de dramaturgia, Eu não vou fazer Medeia é uma obra sobre a coragem de questionarmos tudo aquilo em que acreditamos um dia.

“Eu não vou fazer Medeia” foi publicado pela Editora Cobogó dentro da sua Coleção Dramaturgia Holandesa.

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Ficha Técnica da Leitura Cênica
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Ficha Técnica da Leitura Cênica

Leitura Cênica Eu não vou fazer Medeia
Texto: Magne van den Berg
Tradução e direção cênica: Jonathan Andrade
Elenco: Márcia Andrade, CORRE Coletivo Cênico (Anderson Danttas e Rafael Brito ) e Coletivo Das Liliths (Gelton Sacramento, Georgenes Isaac e Thiago Carvalho)
Projeto de Internacionalização de Dramaturgia
Idealização, Direção Artística e de Produção: Márcia Dias
Coordenação de Produção: Paula de Renor
Comunicação: Felipe de Assis
Coordenação Geral Brasil: Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil
Coordenação Geral Holanda: Anja Krans
Publicação: Editora Cobogó
Consultoria de Tradução: Mariângela Guimarães
Realização: Buenos Dias Projetos e Produções Culturais e Plataforma BRAC
Parcerias: Nederlands Letterenfonds – Dutch Foundation for Literature, a Editora Cobogó e o Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

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Coleção Holandesa
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Coleção Holandesa

A leitura cênica de Eu não vou fazer Medeia faz parte da 3ª. edição do Projeto de Internacionalização de Dramaturgias, uma ação da Buenos Dias e Plataforma BRAC em parceria com o Nederlands Letterenfonds – Dutch Foundation for Literature, a Editora Cobogó e o Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

Em 2022, o projeto tem o seu foco na dramaturgia holandesa, com leituras e lançamentos em cinco festivais integrantes do Núcleo. As obras foram publicadas pela Editora Cobogó dentro da Coleção Dramaturgia Holandesa. O lançamento de Eu não vou fazer Medeia acontece dentro da programação do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, o FIAC Bahia.

PROJETO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE DRAMATURGIAS – COLEÇÃO HOLANDESA

Idealização, Direção Artística e de Produção
Márcia Dias

Coordenação de Produção
Paula de Renor

Comunicação
Felipe de Assis

Coordenação Geral Brasil
Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil

Coordenação Geral Holanda
Anja Krans

Editora
Cobogó

Consultoria de Tradução
Mariângela Guimarães

Realização
Buenos Dias Projetos e Produções Culturais e Plataforma BRAC

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um cupim da criação
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um cupim da criação

@jonath.a.ndrade

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Elenco da leitura
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Elenco da leitura

#MárciaAndrade

Márcia Andrade é atriz formada na UFBA. Baiana, foi indicada três vezes ao Prêmio Braskem de Teatro na categoria melhor atriz, vencendo em 2016. Integrou o elenco de montagens importantes na cena baiana, como Divinas Palavras (Nehle Franke), Nossa Cidade (Harildo Déda), Sade (Gil Vicente Carvalho), As Centenárias (Leandro Santolli) e Em Família (Marcelo Flores). Na área audiovisual atuou em trabalhos como “Finalmente Shirley” (TVE) e “A bicicleta do vovô” (TV BRASIL), entre outros. Em 2022, produziu e protagonizou o solo “Respira, Segura e Solta” (direção Beto Mettig), no formato digital.

@marciaabsolutaandrade

#coletivodasliliths

Fundado em 2013 o Coletivo Das Liliths é uma plataforma artística composta por artistas mulheres e LGBTQIA+ que vem há nove anos fomentando e fortalecendo o debate acerca das dissidências de gênero e sexuais através das artes cênicas. Com sede na cidade do Salvador/Bahia, vem produzindo de forma ininterrupta uma série de atividades de formação, capacitação e difusão da cultura dissidente, sempre voltando atenções para questões de gênero e sexualidade.

@dasliliths.ba

#CORRE #ColetivoCênico

O CORRE Coletivo Cênico – integrado pelos multiartistas Anderson Danttas, Igor Nascimento, Marcus Lobo, Luiz Antônio Sena Jr e Rafael Brito – desde 2019 tem mergulhado nos impactos da masculinidade na construção identitária do homem gay.

De lá pra cá, criou: o experimento cênico-virtual DELIVERY DA GENTE, performando a objetificação dos corpos no campo da virtualidade potencializada com o isolamento social no ano de 2020; e o espetáculo episódico PARA-ÍSO, que busca correlacionar a pandemia do coronavírus com a epidemia do HIV discutindo os estigmas que pairam sobre os corpos LGBTQIAPN+ (indicada ao Prêmio Braskem de Teatro 2021 em 03 categorias, vencendo como Melhor Direção para Luiz Antônio Sena Jr.).

Em 2022, com a retomada da presencialidade, vem realizando o CORRE PRA SENTIR – encontros voltados a homens gays, num híbrido de roda de conversa e rede de acolhimento para reflexão sobre direitos e afirmação de subjetividades. Também, tem se dedicado a criação da peça MUSEU DO HOMEM QUE SOMOS, com estreia prevista para dezembro/22, colocando no centro da discussão as narrativas erguidas pelo padrão cisheterobranconormativo que constrói memórias sociais.

@corre_ba

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